Quando fundei a Comunidade Samba da Vela, junto a meus parceiros Magnu Sousá, Chapinha e Paqüera, eu tinha apenas vinte anos de idade e embora não parecesse, eu já tinha uma breve noção do sucesso que viria a ser, não para com o grande público, mas sim entre nós, a casta de compositores que ali viria a se formar. Enfim, criamos um espaço onde pudéssemos nos expressar musicalmente. Nascia então, este grande quilombo de poesias musicadas, cujo objetivo era de não deixa-las mais tempo do que já estavam no fundo da gaveta, além do fato de que uma só gaveta já não era o suficiente há muitos anos. É muita coisa guardada, tanto que já se passaram vinte e um anos e não conseguimos mostrar nem metade das composições. Mas o processo de formação da Comunidade influenciou muito e naturalmente fomos obrigados a compor novos sambas os quais tomaram à frente de muitos outros que estavam na fila há um bom tempo. Alguns nem chegaram a ser apresentados. Na busca de uma identidade própria, tivemos que tomar algumas duras decisões durante o processo, principalmente com a chegada dos demais compositores. Amadores em sua maioria ou iniciantes no modo geral, eles primavam de um certo vício cultural das ruas e isso nos obrigou a reprogramar uma nova conduta naquele ambiente exclusivo para apresentação e apreciação de novas obras musicais, sobretudo o Samba. Alguns entenderam, outros torceram o nariz. Afinal, seguir regras é para poucos. Lei primordial na Vela era manter o silêncio no local. Outra muito importante era a participação ativa na apresentação dos outros irmãos de samba, se a gente percebesse que tal compositor não fortalecia a obra do colega também compositor, a multa era perder a inserção de seu samba no livro de sambas da Comunidade Samba da Vela. Outra regra, além de várias que um dia vou revelar aqui, era acender uma vela verde toda vez que alguém da comunidade fosse a Oló (Morresse). São detalhes que enriqueceram absurdamente a história do Samba da Vela, despertando a curiosidade de milhares de pessoas no mundo todo. Foi assim que durante todos esses anos a gente se doou para reeducar muita gente que mal dava atenção devida para o nosso samba até então, mas depois passou a dar. Acabamos comprando a briga que ninguém queria comprar, mas por um grande motivo. Até que conseguimos transformar essa briga em uma grande conquista e hoje ela é usufruto de inúmeros compositores. Nossa meta de profissionalização dessas pessoas na música, só não fora alcançada porque o objetivo da maioria não era viver de música. Poucos entendiam o movimento como um trabalho ou algo paralelamente rentável. Encaravam como hobby. E até hoje muitos ainda não se deram conta de que a música nunca esteve apenas em rádios e programas de tv. Comerciais de carro, de roupas, de bebidas e muitas outras milhares de ações altamente comerciais sempre ligaram nossos valores afetivos à música e consequente a produtos comerciais. Direta ou indiretamente a música sempre foi algo paralelamente comercial no giro de receitas de direitos autorais. Foi aí que a gente inseriu pessoas, afim de fazê-las entender que uma produção artístico-musical pode gerar emprego para muita gente. Finalizo esse texto dizendo que para mim a Comunidade do Samba da Vela vai além de um aparelho cultural. A Vela é um processo! Algo pensando estrategicamente para a verdadeira evolução do núcleo, onde o samba vem para ter mais estrutura e dar suporte para todo aquele que pretende viver dele. E equalizar nossa composição humana na vida em sociedade. Embora isso não tenha passado de um sonho, viva seus vinte e uns anos de resistência!